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Ilyich. Lênin.

Embora muito já se tenha escrito sobre Lênin, volta e meia somos surpreendidos com novas ou velhas publicações que iluminam outras camadas desta complexa figura em que vontade de vida e intrepidez da razão – para evocar as palavras de Gorki – se entrelaçaram de modo tão singular. É este o caso de “Reminiscences of Lenin”, escrito em 1933 por Nadezhda Krupskaya, companheira de Lênin e destacada revolucionária bolchevique, que permanecia inédito no Brasil até recentemente, quando através de uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo a editora Ruptura viabilizou a sua publicação.(1) Confesso a minha surpresa ao me deparar com este pequeno tesouro: vamos lá, por que ele não é tema de conversas e de vivo interesse desde há muito? Como pude ignorar por tanto tempo semelhante reconstituição de toda a vida de Lênin, escrita não só por alguém que conviveu tão próxima a ele, como, ademais, compreendia perfeitamente o sentido político dos seus atos? Empreendimento cheio de complicações, perante o qual Gorki, um dos maiores romancistas de todos os tempos, admitiu: “É difícil pintar, representar a naturalidade e a maleabilidade com que todas as impressões de Lênin se fundiam numa só torrente”.(2)

O livro de Krupskaya é uma biografia política de talento exatamente por se aproximar de uma visão integral de Lênin, ausente, embora por motivos diametralmente opostos, tanto na ortodoxia soviética (que enfatiza o duro político realista) quanto nos detratores ocidentais (que contam as revoluções pela lente da sua própria miséria burguesa, ou seja, movidas por seres inescrupulosos que só desejam dinheiro e poder pessoal). De algum modo, Lênin encarnou e superou toda a tradição revolucionária desde séculos. Nele a revolução vivia: ativa e plena de energia, afastada da ideia cristã de culpa, o que não significa isenta de dores e de sacrifícios. De maneira nenhuma o pensamento de Lênin abriga a tendência à autoimolação, ou o esforço desinteressado do objetivo, embora o perigo do aniquilamento lhe tenha rondado mais de uma vez na sua larga trajetória.(3) Nele, a revolução coloca e resolve para si mesma o problema da vitória.(4)

Outrossim, a atividade revolucionária não suprime, senão que, pelo contrário, realiza o revolucionário que atua, uma vez que se assenta em um compromisso voluntário e consciente. Por isso, em última instância, mesmo na cela solitária, ou no último sopro de vida, um revolucionário mantém-se e sabe-se livre, através de todos os reveses. No quadro vivo que nos pinta Krupskaya, Ilyich (irmão, marido, camarada) e Lênin (o grande teórico e chefe político) surgem-nos concretamente, isto é, uno e diversos a um só tempo, e é inevitável indagar durante a leitura o quanto da personalidade de Lênin passou para o leninismo.(5)

Lênin é a revolução operante, afinal, e é sob o prisma do seu interesse que ele molda todas as suas atitudes:


“Toda a sua vida estava ligada a essa causa. Isso veio naturalmente para ele, ele não poderia viver de outra forma. Ele lutou contra o oportunismo e todo e qualquer recuo tão apaixonadamente e bruscamente como sempre. Ele ainda era capaz de romper com seus amigos mais próximos se os visse agindo como um empecilho para o movimento; ele iria até o oponente de ontem de uma forma simples e camarada, se fosse essencial para a causa, e diria o que tinha a dizer franca e sem rodeios como sempre fizera”.(6)


Lênin soube traçar com incrível perspicácia uma linha divisória entre unidade e luta no interior do movimento revolucionário. Nele, a intransigência de princípios não se confundia nunca com ódio pessoal, nem os acordos temporários com mero pragmatismo utilitarista. Se, como se diz, toda determinação é uma negação, saber recusar a tempo um falso caminho é sem dúvida uma qualidade indispensável em um revolucionário, qualidade esta que Lênin adquiriu cedo, por força de duras circunstâncias. Como se sabe, Lênin nutria grande amizade e admiração por seu irmão mais velho, Alexandre, executado num presídio em maio de 1887, por ter participado de uma conspiração para matar o Czar Nicolau III. “Sasha”, como era carinhosamente chamado pela família, foi quem introduziu o irmão Vladimir na política revolucionária. Conta-se que, nutrindo profundo respeito por seu irmão, o jovem Ulianov teria dito, sobre a tática de terrorismo por ele adotada: “Este não é o nosso caminho.”(7) Ao mesmo tempo, ele guardou para o resto da vida admiração pelos velhos conspiradores de “A vontade do povo”, pela sua coragem e abnegação, sem que isto enfraquecesse nem por um momento sequer a contundência da sua crítica. É o que se nota nesta passagem de “Que fazer?”, que Krupskaya aponta como essencialmente autobiográfica:


“Quase todos, na sua mocidade, prestavam um culto entusiástico aos heróis do terror. E deu-lhes muito trabalho libertarem-se da impressão sedutora desta tradição heroica; houve que romper com pessoas que, a todo custo, queriam permanecer fieis à 'Vontade do Povo', pessoas que os jovens sociais democratas respeitavam muito.”(8)


Nada pode ser mais distante da abordagem leninista da luta política do que a sua conversão em uma espécie de batalha moral. Sobre o problema das divergências, Krupskaya assinala: 


“Ilyich revidou duramente quando foi atacado e defendeu seu ponto de vista, mas quando novos problemas tiveram que ser enfrentados e foi possível cooperar com seu oponente, Ilyich foi capaz de abordar seu oponente de ontem como um camarada. Ele não teve que fazer nenhum esforço especial para isso. Nisso estava a tremenda vantagem de Ilyich.”(9)


Como se sabe, no II Congresso dos Sovietes, imediatamente após a Revolução de Outubro, Lênin propôs o decreto de nacionalização da terra defendido pelos socialistas-revolucionários de esquerda, como forma de atrair a maioria camponesa para o nascente poder soviético, embora tenha defendido programaticamente a socialização por anos a fio. Para Lênin, o decisivo da construção socialista radicava precisamente nesta capacidade de incorporar as massas trabalhadoras neste colossal processo de transformação histórica. O caráter de vanguarda do partido e de seus dirigentes não pode jamais se converter em uma visão estereotipada da política, que confunda o caráter preparatório e dirigente exercido pela organização com a substituição da ação independente dos próprios trabalhadores:


“Atrair as massas e fazê-las entender que nenhum líder faria seu trabalho por elas, mas que elas mesmas teriam que começar a trabalhar com suas próprias mãos se quisessem organizar suas vidas em novas linhas e defender seu estado – isso é o que Lenin constantemente se esforçou para alcançar, foi aqui que ele se mostrou um verdadeiro líder do povo, um líder que foi capaz de fazer as massas enfrentarem questões vitais e essenciais e darem o passo em direção à solução delas mesmas, não seguindo inconscientemente um líder, mas sendo profundamente conscientes do que estavam fazendo."(10)


Para ele, portanto, “o socialismo não pode ser construído por decretos de cima. O automatismo burocrático oficial é estranho ao seu espírito; o socialismo construtivo vivo é a criação das próprias massas do povo."(11) Isto é válido tanto antes quanto depois da tomada do poder, e, embora em níveis distintos, tanto para as organizações de massas como para o próprio partido. Já nos tempos do velho Iskra, Lênin preocupava-se de que a polêmica contra os economicistas degenerasse em um extremo oposto. “Vladimir Ilyich dirigiu a luta dos iskristas e os alertou contra uma interpretação muito vulgar do centralismo. Ele combateu a tendência de considerar cada instância de atividade independente viva como ‘artesanal’”.(12) Anos mais tarde, ele demonstraria a mesma preocupação sobre a administração estatal: “Ele [Lênin] disse que devemos ter cuidado para que a gestão individual não anule de forma alguma a iniciativa e a atividade independente das comissões, ou enfraqueça os laços com as massas; a gestão individual [das empresas socialistas] tinha que ser combinada com a capacidade de trabalhar com as massas.”(13) A defesa deste democratismo proletário revolucionário foi sempre uma clivagem fundamental entre as apreciações políticas de Lênin e de Trotsky: “Isto, se é que houve algo, foi o que mais dividiu Lenin e Trotsky o tempo todo. Trotsky falhou em compreender o espírito democrático, os princípios democráticos da construção socialista, o processo de reorganização de todo o modo de vida das massas.”(14) São passagens de enorme interesse, que antecipam muitas das críticas feitas posteriormente por Mao à experiência soviética.

Na verdade, a relação dinâmica entre a vanguarda e as massas, o espontâneo e o consciente, é uma constante no pensamento de Lênin, presente desde as obras da juventude até os últimos artigos ditados na sua casa de repouso, no distrito de Gorki. Esta relação aparece em “Que fazer?” tanto quanto no “Esquerdismo”, em “Duas táticas” como em “Sobre a nossa revolução”. O consciente em Lênin não suprime jamais o espontâneo, nem este pode ser usado como desculpa para a paralisia daquele.(15) Sem tal flexibilidade, não poderia haver criatividade em política, e o fato é que no reconhecimento dos sovietes como órgão estatal da ditadura revolucionária do proletariado – sovietes como um Estado de tipo Comuna, isto é, não um Estado propriamente dito – Lênin demonstrou enorme agudeza e criatividade revolucionárias, bem como a genuína capacidade de aprender das massas. Por isso, ele reprovava com tanta veemência os dogmáticos, partidários de fazerem encaixar a fórceps na realidade as suas próprias ideias preconcebidas, no lugar de um tenaz trabalho de propaganda e organização das forças da revolução, particularmente críticos nos períodos em que esta se vê numa posição defensiva:


“Um bolchevique, eles declararam, deveria ser duro e inflexível. Lenin considerou essa visão falaciosa. Isso significaria desistir de todo o trabalho prático, ficar de lado das massas em vez de organizá-las em questões da vida real. Antes da Revolução de 1905, os bolcheviques se mostraram capazes de fazer bom uso de todas as possibilidades legais, de seguir em frente e reunir as massas atrás deles nas condições mais adversas. Passo a passo, começando com a campanha pelo serviço de chá e ventilação, eles levaram as massas até a insurreição armada nacional. A capacidade de se ajustar às condições mais adversas e, ao mesmo tempo, se destacar e manter suas posições de alto princípio – tais eram as tradições do leninismo. Os otzovistas se separaram dessas tradições bolcheviques. A luta contra o otzovismo foi a luta pelas táticas bolcheviques e leninistas testadas e comprovadas”.(16)


Esta criatividade não exclui, senão que pressupõe diretamente a objetividade do juízo, a apreensão exata da correlação de forças em cada momento concreto:


“Era característico de Ilyich que ele nunca se enganasse, não importa quão tristes fossem as realidades; ele nunca estava bêbado de sucesso e sempre teve uma visão sóbria. Ele nem sempre achou isso fácil, no entanto. Ilyich era tudo menos friamente racional, uma espécie de jogador de xadrez calculista. Ele sentia as coisas muito intensamente, mas tinha uma vontade forte, tinha vivido muito e pensado nas coisas por si mesmo, e era capaz de encarar a verdade sem vacilar.”(17)


Encarar a verdade sem vacilar: eis uma das razões pelas quais um dos “alvos” prediletos das flechas de Lênin eram aqueles que se punham a lançar frases, onde se exigia uma análise concreta da situação concreta. Não por acaso, Gorki relata ter ouvido de um operário, sobre Lênin, que “ele é simples como a verdade”. Não importa o quão amarga seja uma verdade, o partido do proletariado deve enfrentá-la sem floreios ou quaisquer espécies de “estimulantes artificiais”. Por isso mesmo, Lênin recusou com grande energia, e mesmo violência, todas as tentativas de praticar qualquer espécie de “fusão” de marxismo com religião, em nome de torná-lo mais “inteligível” para as massas “incultas”, posição que é ao mesmo tempo uma capitulação do materialismo e uma idealização senhorial do povo. Condenou nos termos mais duros a tese dos “construtores de deus”, que chegou a ter uma certa influência em vários círculos socialistas, inclusive bolcheviques, durante a reação stolipiniana: “O mais prejudicial de todos, segundo Lenin, era o tipo sutil de religião, despojado de absurdos muito patentes e formas externas servis. Tal religião, ele acreditava, era passível de ter uma influência mais forte sobre as pessoas.”(18) Ora, se o proletariado não pode se contentar em simplesmente tomar o aparelho de Estado herdado da burguesia, apenas modificando seu “conteúdo”, também não se poderia pensar que o comunismo científico – ao qual Lênin em várias ocasiões se referiu como “materialismo moderno”– como concepção de mundo e sistema social do proletariado possa tomar emprestadas quaisquer formas, como as da religão. Isto seria apenas um reacionarismo “sutil”, quiçá o mais perigoso de todos. 

Em Lênin, a imensa autoridade conquistou-se com um duro trabalho político e teórico, e após a tomada de poder pela classe operária não houve, enquanto viveu, nenhuma espécie de culto organizado em torno da sua figura, como revela a nada pomposa cerimônia pelos seus cinquenta anos (abril de 1920) a que compareceu brevemente e um tanto a contragosto. Krupskaya conta mesmo, em tom de anedota, que certa feita Lênin foi detido próximo ao Kremlin por uma patrulha de konsomóis (juventude comunista), que não acreditaram quando leram no seu passe se tratar de “V.I. Lênin – Presidente do Conselho de Comissários do Povo”. Muito diferente foram os festejos pelo primeiro aniversário de Outubro, que coincidiu com o rebento de uma enorme comoção revolucionária na Alemanha, ocasião em que “seu rosto brilhava de alegria, assim como brilhara em 1º de maio de 1917. Os dias do primeiro aniversário de outubro foram os mais felizes de sua vida.”(19) A importância da vida coletiva do partido, bem como da luta interna como motor do seu desenvolvimento, permeavam não apenas a sua elaboração teórica como a sua conduta prática enquanto dirigente. A respeito, Krupskaya registra:


“Ele sempre, enquanto viveu, atribuiu tremenda importância aos congressos do Partido. Ele considerava o congresso do Partido a autoridade máxima, onde todas as coisas pessoais tinham que ser deixadas de lado, onde nada deveria ser escondido, e tudo deveria ser aberto e honesto. Ele sempre se esforçou muito na preparação para os congressos do Partido, e era particularmente cuidadoso ao pensar em seus discursos.”(20)

 


Não havia na sua prática rotineira nenhuma negligência ou desordem frente ao trabalho político. Este rigor, que não se confunde jamais com rigidez, também atinge a sua preocupação com o acabamento literário dos artigos de fundo:


“No verão de 1913, Kasparov escreveu um artigo para Prosveshchenie sobre a questão nacional. Ilyich respondeu a ele: ‘Recebi e li seu artigo. O assunto, na minha opinião, foi bem escolhido e tratado corretamente, mas falta acabamento literário. Há muito de – devo dizer? – 'agitação', o que é inadequado em um artigo sobre um problema teórico. Acho que você deveria reescrevê-lo, ou nos deixar tentar.’"(21)

 


A preocupação com as mulheres e com os marginalizados ocupou-o sempre, seja no aspecto diretamente político, seja no âmbito pessoal. Ao longo do texto de Krupskaya aparecem incontáveis passagens em que Lênin reforça o papel de ganhar as mulheres para a luta revolucionária, e não por acaso ele foi capaz de agrupar no partido comunista dirigentes destacadas e numerosas (ao menos para os padrões da época), como a própria Krupskaya, mas também Alexandra Kollontai, Inessa Armand e, mais tarde, além das fronteiras russas, Clara Zetkin e Rosa Luxemburgo. 

Quanto à vida pessoal, vimos, pela lente de Krupskaya, um Lênin jovial, que gostava de escalar montanhas ou patinar sobre o gelo para descansar dos graves problemas intelectuais com os quais lidava; um emigrado que, nas durezas do exílio, preferia viver nos cômodos mais simples para estar junto aos operários avançados; um leitor incansável que, na ausência de uma boa biblioteca na cidade de Cracóvia, deve ter relido Anna Karenina “cerca de cem vezes”. Certa feita, já nos últimos anos, organizou-se um campeonato de caça próximo à casa de repouso de Lênin, que sempre fora entusiasta destes jogos. Diante de uma raposa, que parou e o fitou a poucos metros de distância, ele recuou a arma, dando tempo para que ela se internasse na floresta. “Por que você não atirou?” – perguntou Krupskaya. “A raposa era tão bonita”, ele respondeu. Na verdade, não havia em Lênin nem um pingo de uma dura indiferença perante a vida e os viventes, mesmo na forma como ele julgava os que se apartavam do seu caminho. Afinal, o caráter dirigente do partido significa por definição que ele deve ser capaz de marchar ao lado e atrair para junto de si forças distintas dele próprio. Assim, por exemplo, Krupskaya relata o encontro de Lênin com o padre Gapon, logo após o “Domingo Sangrento”, a 9 de janeiro de 1905, quando uma marcha pacífica liderada por este cura foi brutalmente massacrada pela polícia czarista. Enquanto outros dirigentes socialistas, como Plekhanov, simplesmente esnobavam qualquer contato com Gapon, que à época era uma espécie de celebridade sobretudo entre os camponeses, Lênin fez questão de ir ao seu encontro:


“Claro, alguém poderia simplesmente ter dispensado Gapon decidindo de antemão que nada de bom poderia ser esperado de um padre. Foi o que Plekhanov fez. Ele deu a Gapon uma recepção muito fria. Mas a força de Lenin estava no fato de que para ele a revolução era uma coisa viva, como um rosto que se podia estudar em todas as suas variadas características, porque ele sabia e entendia o que as massas queriam. E um conhecimento das massas só pode ser obtido pelo contato com elas. Ilyich estava curioso para saber que influência Gapon poderia ter tido sobre as massas”(22)


A revolução, sempre a revolução, esteve no centro do pensamento e da ação de Lênin:


“’Nós da geração mais velha podemos não viver para ver o decisivo das batalhas desta revolução que se aproxima’, ele concluiu um tanto melancolicamente. E ainda assim Ilyich não pensava em mais nada, não trabalhava por mais nada além desta revolução.”(23)


Lênin proferiu as palavras acima citadas em janeiro de 1917, numa conferência realizada na Suíça, intitulada “Relatório sobre a revolução de 1905”. “Nós da geração mais velha podemos não ver as batalhas decisivas”, ele disse, no ano em que dirigiria a primeira revolução socialista vitoriosa da história. Isto prova que, se é certo que a sociedade humana se desenvolve de maneira desigual, este desenvolvimento não ocorre apenas para alargar o caminho, mas sobre a base da crise do próprio capitalismo se apresentam de tempos em tempos possibilidades de dar saltos gigantescos à frente, qual ocorre com os buracos de minhoca no universo. Quando? Onde? Isto, não sabemos, mas o que é certo é que o trabalho organizado neste sentido deve ser feito sempre e sem interrupções sob quaisquer circunstâncias – mas de maneira alguma do mesmo modo em todos os lugares.

Quando afinal o imperialismo em avançado estágio de putrefação  empurra a humanidade para a beira de uma nova guerra mundial; quando sobre esta base objetiva amadurecem as condições das próximas crises revolucionárias; quando o trabalho de agrupação e organização das forças de vanguarda, bem como do seu estreito vínculo com as massas, exige tenacidade, paciência e continuidade, é aguda a necessidade de apreender (e aprender) nas próprias fontes tanto o exemplo do homem (Ilyich) quanto os ensinamentos da sua obra (Lênin), ou seja, apreendê-lo na sua verdade, que é a sua totalidade.  


  1. Link para aquisição: https://www.rupturaeditorial.com/produto/memorias_de_lenin/. As passagens citadas à frente foram retiradas e livremente traduzidas da versão em inglês, disponível em pdf na web.

  2. “Lenine”, Gorki, ed. O oiro do dia, Portugal, 1980.

  3. Krupskaya relata mais de uma ocasião em que Lênin poderia ter simplesmente morrido: durante a fuga da Rússia após a primeira revolução, em que dois operários bêbados o guiaram pelo gelo numa aldeia finlandesa de madrugada, atingindo um ponto em que este começou a romper sob seus pés; quando teve sua bicicleta destruída por um automóvel durante o exílio, numa avenida em Bruxelas; quando, várias vezes, entre julho e outubro de 1917, os gendarmes estiveram próximos de prendê-lo e executá-lo como “espião alemão”; e quando os socialistas revolucionários dispararam contra ele, em 1920, o que o deixou realmente por um fio. Não, em definitivo, o ofício revolucionário, sendo verdadeiro, não é isento de riscos!

  4. Com efeito, poucas passagens expressam mais a forma como Lênin concebia a política como esta, presente no seu trabalho “A revolução proletária e o renegado Kautsky”, de 1918: “Lutai, operários –– ‘concede’ o nosso filisteu (o burguês também o ‘concede’, porque de qualquer modo os operários lutam e é preciso apenas pensar em como embotar o fio da sua espada) – lutai, mas não ouseis vencer! Não destruas a máquina de Estado da burguesia, não coloqueis no lugar da ‘organização estatal’ burguesa a ‘organização estatal’ proletária!”. (Grifos de Lênin).

  5. “Ora, sem dúvida, há também muito de contingente no que nos acontece. Entretanto, esse contingente está fundado na naturalidade do homem. Quando porém o homem tem a consciência de sua liberdade, a desgraça que lhe acontece não destrói a harmonia de sua alma, a paz do seu coração. É pois a visão da necessidade que determina a satisfação e a insatisfação dos homens, e com isso seu próprio destino.” (Hegel, “Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio”, ed. Loyola). Em outra parte, Hegel dirá dos “grandes homens” que o foram exatamente pelo conhecimento acurado da necessidade de seu tempo, com a qual fundiram completamente a sua singularidade. Assim, para Hegel, estes grandes homens “fizeram o que quiseram e quiseram o que fizeram”. Esses “grandes homens” não são “gênios” arbitrários, descolados do seu tempo e das massas, mas, ao contrário, são precisamente o seu veículo necessário; eles não apenas concebem, mas, o que é mais importante, são capazes de realizar o que concebem, e é desta forma como o materialismo histórico reelaborou esta formulação hegeliana. Sob este prisma, Lênin – embora tivesse 1,65m de altura – pode ser considerado um “grande homem”, na acepção do termo.

  6. N. Krupskaya, “Memórias de Lênin”, 1933.

  7. “V.I. Lenine, pequena biografia”, ed. Avante!, 1981.

  8.  V.I. Lênin, “Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento”, 1902.

  9. N. Krupskaya, op.cit.

  10. Idem.

  11. Lênin, Works, Vol. 26, pp. 254-55, citado por Krupskaya.

  12. N.Krupskaya, op.cit.

  13. Idem.

  14. Idem.

  15. Veja-se, por exemplo, esta passagem de “Que fazer?”: “Assim, persuadimo-nos de que o erro fundamental da ‘nova tendência’ da social-democracia russa é o de ajoelhar-se perante a espontaneidade, o de não compreender que a espontaneidade das massas exige de nós, sociais democratas, uma elevada consciência. Quanto mais poderoso for o ascenso espontâneo das massas, quanto mais amplo se tornar o movimento, tanto maior, incomparavelmente maior, será a rapidez com que aumenta a necessidade de uma elevada consciência, quer no trabalho teórico, quer no político e no de organização da social democracia.” Na verdade, ao contrário do que prega uma certa leitura, “Que fazer?” é muito mais abrangente do que uma defesa teórica do estabelecimento do partido de novo tipo. Ele é isto sim e muito mais: é também uma dialética abrangente e completa das diferentes formas de consciência e de organização do proletariado, da articulação entre a consciência socialista proletária e a consciência democrática popular e da relação (móvel, interrelacionada, concreta, de maneira nenhuma estática ou dualista) entre o movimento espontâneo e a ação consciente. Este, orienta e se alimenta daquele; aquele, é base e de certa forma também um limite objetivo do alcance deste.

  16. N. Krupskaya, op. Cit. Sobre os oztovistas: “Um grupo oportunista surgido no seio dos bolcheviques em 1908, de que faziam parte Aléxinski, Lunatcharski, Liákhov e outros, exigia, encobrindo-se com frases revolucionárias, a saída dos deputados sociais-democratas da III Duma de Estado e a suspensão do trabalho nas organizações legais. Declarando que nas condições de reação o partido só devia desenvolver trabalho ilegal, os oztovistas recusavam a participação na Duma, nos sindicatos operários e noutras organizações legais de massas”. (V.I.Lênin, “Obras escolhidas em 6 tomos”, Tomo 3, ed. “Avante!”, nota dos editores).

  17. N. Krupskaya, idem.

  18. Idem.

  19. Idem.

  20. Idem.

  21. Idem.

  22. Idem. Mais tarde, Gapon foi considerado um agente provocador e executado por uma milícia socialista-revolucionária.

  23. Idem.



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