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Transfobia como sintoma da Crise

Atualizado: há 2 dias


Foto/Reprodução: arquivo Revista Revolução Cultural
Foto/Reprodução: arquivo Revista Revolução Cultural

“E mais importante de tudo! Todo centro industrial e comercial na Inglaterra agora possui uma classe operária dividida em dois campos hostis (hostile camps), proletários ingleses e proletários. O operário inglês médio odeia o irlandês vendo como um competidor que baixa seu padrão de vida. Em relação ao operário irlandês, o inglês se vê como um membro da nação dominante (ruling nation) e consequentemente se torna uma ferramenta dos aristocratas e capitalistas ingleses contra a Irlanda, assim fortalecendo seu domínio sobre si mesmo (over himself). Ele cultiva preconceitos religiosos, sociais e nacionais contra o operário irlandês. Sua atitude em relação a ele é muito igual ao do ‘brancos pobres’ com os negros nos estados ex-escravistas do EUA. O irlandês o paga de volta com juros em seu próprio dinheiro. Ele vê o operário inglês tanto como cúmplice como uma ferramenta estúpida dos chefes ingleses na Irlanda.” (Marx a Sigrifid Meyer e August Vogt em Nova York. Disponível em:  https://www.marxists.org/archive/marx/works/1870/letters/70_04_09.htm)


Há anos foram dadas as cartadas que indicavam quais seriam as particularidades da forma da atual crise capitalista. A caça aos imigrantes já se apresentava como um sintoma tendente na Europa e nos Estados Unidos, onde se escancararam em chauvinismo, perseguição e linchamentos pelas forças policiais, e na criação de campos de concentração, seja na fronteira com o México, onde se fez conhecido o papel do ICE, a Gestapo americana, seja nas prisões europeias e americanas lotadas de imigrantes. Dos sintomas, esse era o que se fazia de capa e manchete nos meios de comunicação de massa da burguesia. 

Agora, com a ascensão de Trump em seu segundo mandato, a espera para assistir a crise de forma desvelada - a possibilidade de observar os demais sintomas de modo enunciado - acabou, e as tendências encontraram seu ponto nodal com a realidade e viraram fatos: a caça aos imigrantes agora vem acompanhada da caça às dissidências de gênero, apresentando outra face da política do Novo Fascismo. Em nome da nação, perseguem imigrantes em suas casas, escolas, faculdades e trabalho, fazendo a “limpa” racial, enquanto, em nome da moral e da família, revogam-se os poucos direitos conquistados para a população trans, em especial, e para a população LGBTQIA+ em geral. 

A crise capitalista é o momento em que as contradições imanentes do modo de produção capitalista se tornam visíveis para o contingente de explorados e oprimidos, nas múltiplas formas de deterioração das condições de vida: inflação, desemprego, guerras e catástrofe ecológica, que se fazem efeito de forma exponencial na vida do povo e do planeta em que ele vive. Neste momento, não mais o capital, mas, sim, o trabalho passa a aparecer como substância social, isto é, como fonte da riqueza da sociedade capitalista (das mercadorias, do valor); todo o proletariado e demais classes exploradas deixam de aparentar serem objetos de um movimento alheio a eles (como passivos no movimento da história), e passam a aparecer como aqueles que “fazem sua própria história”. Daí surge o potencial perigo da subversão em prol dos seus interesses, de que cesse sua miséria advinda da sua condição de exploração e opressão. É claro, este processo de transformação da consciência, que supera isto que Marx chamou de fetichismo, não é espontâneo, depende da ação dos elementos revolucionários das classes exploradas que intervenham nesse sentido.


A possibilidade de que à crise econômica sobrevenha o colapso do poder político faz com que os imperialistas e seus associados busquem tanto formas incrementadas de controle e repressão como discursos e medidas que renovem a legitimidade da ordem ameaçada como um todo. Neste cenário, a escolha de inimigos públicos, contra os quais se pode voltar a unir a “nação” e apontar um culpado pela crise, é uma das estratégias mais eficientes e mais antigas. Os ideólogos reacionários se esforçam por justificar a crença de que a salvação da burguesia é a salvação de todos os membros da sociedade. Prato cheio para que o punhado de algozes vá a socorro de si mesmo: os pilares da sociedade burguesa estão sob ataque e é necessário salvá-los; a nação sofre com os “invasores” e a família e a moral são atacadas pela “ideologia woke”. Começa a caça ao trabalho: joga-se classe contra classe e antagoniza o próprio povo, desumanizando parte dele para que a outra parte o faça de alvo, sob suas ordens e sob a vanguarda de hordas de “camisas negras”, que ele formou aglomerando, e tornando reacionários, ressentidos de todas as classes, que passam a ver nesse objetivo seu propósito de vida. 


As alternativas de “integração” que antes os capitalistas fomentavam, o chamado pink money, cessam por decretos. Eles procuram fazer do conflito aberto entre classes antagônicas, conflito aberto interno às classes (transformando contradições não-antagônicas em antagônicas). As falácias de “representatividade” e de “igualdade” sob o capitalismo deixam de ter lugar, para que se instaure a luta desvelada entre opressores e oprimidos, mas expressa pela luta artificial das massas corporativizadas pelo fascismo contra as massas oprimidas em luta para sobreviver.


Estes seus alicerces, suas instituições sociais, onde a sociabilidade se torna chauvinista e é reproduzida diariamente (na mistura com o “bom senso” das massas) - a família, a escola, a igreja… - sustentam a necessária guinada à guerra, à exteriorização violenta da resubordinação do povo ao arranjo econômico de sua exploração. A antagonização das contradições contra seus “infratores” e “invasores”, imigrantes e dissidentes de gênero - com uma verdadeira guerra travada internamente -, e com seus representantes “bárbaros”, que precisam de uma disciplinarização por meio do expansionismo imperialista.


Que Trump tenha falado em anexação do Canadá e da Groenlândia, juntamente com a tomada do canal do Panamá, enquanto financia o bombardeio sionista em Gaza, no mesmo discurso que anunciou medidas de combate à população trans, não é mera coincidência. Ambos têm a mesma causa: a crise do modo de produção capitalista em geral e a profunda crise de hegemonia do imperialismo norte-americano em particular, que alimenta contínuas novas ameaças para se perpetuar como polícia do mundo, não só das “liberdades” e da “democracia”, mas também da “moralidade” e dos “bons costumes”. Revelar o caráter de classe por sob esta máscara moralista e traçar uma firme linha de unidade na luta de todos os setores oprimidos contra o jugo imperialista-capitalista que nos aprisiona são tarefas decisivas do nosso tempo.

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